Grão verde pode render café especial com nova técnica de fermentação, mostra estudo
Técnica valoriza grãos rejeitados e atende padrão global de café especial
Por: Iago Bacelar
14/07/2025 • 12:00
Uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) revelou que é possível produzir café especial a partir de grãos verdes, tradicionalmente considerados defeituosos. Os testes mostraram que a fermentação anaeróbica autoinduzida permite transformar frutos imaturos da cultivar Arara, do tipo arábica, em bebidas com alto padrão sensorial, atendendo aos critérios da Specialty Coffee Association (SCA).
O estudo foi publicado na revista científica Food and Bioprocess Technology e conduzido no campus de Patos de Minas (MG). A descoberta abre caminhos para valorização de parte da colheita antes descartada, agregando rendimento à produção sem depender apenas de grãos maduros.
Como funciona a fermentação dos grãos verdes
A técnica utilizada foi a SIAF (Self-Induced Anaerobic Fermentation). Nesse método, os grãos são colocados em barris vedados sem oxigênio por até 96 horas, logo após a colheita. A fermentação ocorre antes da secagem dos grãos.
Segundo a pesquisadora Luiza Braga, primeira autora do estudo, a técnica consegue suavizar os defeitos associados aos frutos imaturos. “Além disso, dá pra fazer direto na fazenda, o que valoriza o produto antes mesmo dele sair pro mercado”, explicou em entrevista à Agência Fapesp.
A fermentação foi monitorada com sensores próprios, desenvolvidos pela equipe da UFU, que medem pH e temperatura sem abrir os recipientes. A pesquisa identificou que os cafés fermentados a 27 °C apresentaram as melhores notas sensoriais, superando inclusive os grãos 100% maduros.
Grão verde com potencial de qualidade
O processo foi aplicado à cultivar Arara, uma variedade lançada em 2012 pela Fundação Procafé, após 15 anos de pesquisa. A Arara é conhecida pela resistência a doenças e boa adaptação ao clima do Cerrado. Mesmo quando a colheita incluiu 70% de frutos verdes, as amostras finais apresentaram entre 13% e 30% de grãos imaturos, após triagem que excluiu quebrados e defeituosos.
Apesar da tolerância à presença de verdes, os pesquisadores alertam para a necessidade de equilíbrio. Quando a proporção de grãos imaturos ultrapassa certo limite, o perfil sensorial da bebida pode ser comprometido, mesmo com o uso da fermentação.
Inteligência artificial no campo
Um diferencial do estudo foi o uso de inteligência artificial para mensurar a proporção de grãos verdes durante a colheita. A ferramenta criada pelo grupo identificou a taxa de frutos imaturos, permitindo melhor planejamento da fermentação.
A coordenadora do estudo, Líbia Diniz Santos, destacou o interesse crescente de produtores em adotar a técnica. “Muita gente tem procurado entender essa técnica, já que ela pode agregar valor e abrir espaço pra cafés mais caros”, afirmou à Agência Fapesp.
Próximos passos e aplicação futura
O grupo de pesquisa agora busca identificar os compostos químicos gerados durante a fermentação que conferem qualidade à bebida. A intenção também é testar a técnica em outras variedades de café, ampliando sua aplicabilidade no setor cafeeiro.
Com a aplicação da fermentação anaeróbica autoinduzida, o estudo demonstra que é possível produzir café especial com planejamento técnico, mesmo usando grãos que antes seriam descartados. A técnica pode representar um avanço estratégico na rentabilidade das lavouras e no aproveitamento da colheita, sem a exigência exclusiva pelo grão perfeito.
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