Logo

O voto de Fux

Ministro apresentou voto divergente em julgamento que condenou Bolsonaro

12/09/202515:31Atualizado

O ministro do Supremo Tribunal Federal-(STF), Luiz Fux, depois de um extenso e acadêmico voto no processo relacionado a um suposto golpe de estado patrocinado pelo ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, concordou com a defesa do ex-presidente ao afirmar que a quantidade de documentos acusatórios existentes no processo é muito grande. Segundo Fux, o excesso de documentos apresentados pela Polícia Federal dificultou o direito de defesa dos réus devido ao pouco tempo para análise dos dados, o que configuraria, segundo ele, um “data dump”, expressão muito usada no direito americano para definir um número exagerado de documentos e relatórios com as provas colhidas na investigação. O argumento usado por Fux foi levantado pelo advogado de defesa de Bolsonaro, Celso Vilardi, que alegou não ter tido tempo suficiente para o exame de todas as provas.

Foto O voto de Fux
Foto: Gustavo Moreno / STF

O ministro afirmou que, ao todo, as evidências somavam 70 terabytes ou “milhões ou bilhões de páginas”, confirmando, assim, o que disse a defesa de Bolsonaro durante a fase de considerações finais, ou seja, de que o material apreendido pela PF foi compartilhado com as defesas em 7 de maio, e que, em 19 de maio, se iniciaram as audiências com as testemunhas. Em resposta ao advogado de defesa, Moraes afirmou que as provas não foram usadas nem na denúncia nem no processo, e que todas as provas usadas na acusação pela Procuradoria Geral da República (PGR), em março, estavam disponibilizadas antes mesmo do órgão oferecer a denúncia.

O voto de Fux entrou para a história do STF. O ministro expôs as mazelas da Corte publicamente, demonstrando que o órgão virou um agente político. Ao dizer que o STF não tem competência para julgar Bolsonaro e sua trupe e o de que o ministro Alexandre de Moraes se confunde no papel de juiz, acusador e vítima, tornando-se suspeito para julgar a causa, Fux demonstrou que as ilegalidades cometidas pelo relator poderiam ter sido combatidas com o que considerou ilegalidades processuais, e que o papel de julgador não pode ser confundido com o de ator político. Segundo ele, além da falta de competência do STF para julgar o feito, o papel do ministro Alexandre de Moraes se confunde no papel de juiz, acusador e vítima, tornando-se suspeito para julgar a causa.

Fux não conseguiu reverter o que já era esperado: a condenação de Bolsonaro e dos demais réus, mas, com certeza, conseguiu fornecer meios para se apresentar algum recurso contra a decisão final e para que se inicie uma campanha interna e externa contra essa condenação e contra a falta de liberdade de expressão atualmente existente no país. Em suas 429 páginas, o ministro se manifestou pela absolvição de Bolsonaro de todos os crimes relacionados à trama golpista. O ex-presidente está sendo julgado por golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado.

Terceiro a se manifestar, Fux divergiu do relator e acolheu algumas preliminares apresentadas pela defesa. Para ele, a ação não deveria ser julgada pelo STF, mas pela primeira instância, já que os réus perderam o foro por prerrogativa de função ao deixarem os cargos públicos. Assim, em razão da incompetência absoluta da Corte para processar o caso, todos os atos decisórios praticados deveriam ser anulados. No caso de se entender que a ação deva ser julgada na Corte, Fux afirmou que a tarefa caberia ao Plenário e não à Primeira Turma. Em outra preliminar, ele considerou que houve violação ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que os advogados receberam uma grande quantidade de dados sem prazo razoável para analisá-los e preparar a defesa dos réus.

Quanto ao mérito, Fux iniciou a análise dos crimes descritos na denúncia dizendo que, em sua avaliação, não ficou comprovado que tenha havido uma associação permanente e estruturada, com divisão de tarefas, voltada à prática de crimes indeterminados para obtenção de vantagem ilícita. Seja com for, muitos serão contra o voto do ministro, enquanto outros serão a favor. Ao romper com o próprio passado, Fux pareceu dizer que certos limites à conduta humana são impostos pelo processo civilizatório, tendo a humanização como uma imperiosa necessidade de se fazer Justiça, e que o juiz deve sempre estar disposto a mudar, escolhendo entre o que considera certo ou errado com independência e espírito superior. Buscando se conduzir com ética e com a mesma obstinação com que o rio procura o mar. O voto de Fux só poderá ser julgado pela história.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.

Luiz Holanda

A relação entre CPI e pizza

Luiz Holanda (ou Luiz de Holanda Moura) é um reconhecido jurista, professor universitário e advogado baiano, com vasta experiência em gestão pública e ensino jurídico. É autor de livros e artigos, além de ter sido conselheiro da OAB/BA e ocupado cargos importantes na administração pública.