Cinco pontos que dividem juristas após decisão contra Bolsonaro
Avaliação jurídica da medida cautelar contra ex-presidente revela discordâncias importantes
Por: Layra Mercês
19/07/2025 • 09:44
A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs medidas cautelares ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — incluindo o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de uso das redes sociais e comunicação com diplomatas — gerou opiniões distintas entre especialistas do Direito. Enquanto alguns consideram as medidas legítimas e necessárias, outros enxergam abusos e afrontas à Constituição.
Confira a seguir os principais pontos de divergência entre os juristas:
1. Bolsonaro ofereceria risco real de fuga?
Para o constitucionalista André Marsiglia, o argumento de que o ex-presidente poderia fugir por ter procurado embaixadas estrangeiras não tem fundamento. “Agora então aproximar-se de embaixada passou a ser um risco de fuga? O entendimento do próprio ministro muda ao sabor do vento e isso é grave”, avaliou.
Em contrapartida, Marco Aurélio de Carvalho, advogado e coordenador do grupo Prerrogativas, defende o posicionamento do STF. Ele cita fatos concretos para justificar o receio de fuga: “Ele já tinha ido à Embaixada da Hungria, o filho abandonou o mandato para ir aos Estados Unidos, e o presidente dos EUA manda carta acolhendo Bolsonaro. Isso é muito grave, portanto, tem que respeitar a decisão do Supremo”.
2. Atuação de Moraes: coerência ou abuso de poder?
Marco Aurélio afirma que Moraes segue uma linha coerente em sua interpretação jurídica. “A Primeira Turma confirmou por unanimidade [as medidas cautelares contra Jair Bolsonaro], portanto já não é uma posição isolada do ministro Alexandre. Ele tá sendo coerente com que ele pensa”, explicou.
Ele reforça que o papel do ministro é interpretar a Constituição, ainda que se possa ter discordâncias. “Ele tem sido coerente na interpretação que ele faz da Constituição”.
Já Marsiglia vê o contrário. Para ele, Moraes não está alinhado à Carta Magna: “O ministro Moraes precisa ser coerente com a Constituição, e não com ele. Se ele está sendo incoerente com a Constituição, ele precisa corrigir todas as decisões, não só essa”.
Segundo ele, a decisão fere princípios básicos: “A lei é o que é, e não o que deseja um juiz. Se ele tem receio que as redes sociais possam ser utilizadas pra instigar alguém, nesse momento, ele passa por cima do princípio básico da nossa Constituição, que é a liberdade de expressão, ele tá violando a Constituição e ele não tem direito de fazer isso”.
3. Há crime contra a soberania nacional?
A interpretação de Moraes sobre uma possível violação da soberania brasileira por parte de Bolsonaro, ao apoiar articulações do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos EUA, também divide opiniões.
Marco Aurélio vê gravidade no caso. “Há um risco à ordem pública e econômica. Então, se há um crime contra a soberania nacional, eu não tenho a menor dúvida em relação a isso. A presença de um dos filhos do Bolsonaro nos Estados Unidos deixa isso claro.”
Marsiglia, no entanto, discorda. Para ele, relatar fatos a governos estrangeiros não configura crime: “Se alguém denuncia ilegalidades no país a estrangeiros, isso não é atentado à soberania, isso é liberdade de expressão. Se os EUA reagem a isso, é problema deles, não de quem denunciou.”
4. Proibir redes sociais é legal ou censura?
Entre as medidas cautelares, está a proibição de Bolsonaro de utilizar suas redes sociais. Marsiglia critica: “Estamos diante de uma cautelar aqui que, além de inconstitucional, é censória, que é a de proibir redes sociais. Agora Bolsonaro, numa situação de preventiva, é impedido de usar as redes sociais?”
Ele ainda lembra de precedentes: “Quando o STF impediu que Lula se manifestasse durante a eleição, entendeu-se que isso era inconstitucional. Estamos agora diante de uma situação parecida”.
Já Marco Aurélio defende a medida e diz que ela está prevista na legislação. “Se fosse prisão, não seriam medidas cautelares. Há motivos fundados para a adoção dessas medidas cautelares. Não há perseguição, é aplicação da lei.”
5. Discurso político como tentativa de coação
Por fim, juristas divergem sobre se declarações públicas, especialmente de aliados, poderiam ser interpretadas como tentativas de interferência no curso da Justiça.
Marsiglia é cético: “Quando estamos no terreno do discurso, é difícil a gente pensar em coação. Se coagir ou obstruir a justiça se fizesse por meio da palavra, a gente não poderia então ter liberdade de expressão no país.”
Marco Aurélio, por outro lado, destaca o peso das palavras na política: “A palavra pode ser instrumento para o cometimento de vários crimes. Quando a palavra é exarada por uma liderança política, ela tem um caráter ainda mais significativo, porque essa liderança política tem uma responsabilidade política.”
Posição da defesa
A defesa de Bolsonaro repudiou as medidas cautelares impostas por Moraes. Em nota divulgada na sexta-feira (18), os advogados do ex-presidente disseram receber a decisão com “surpresa e indignação”, e alegaram que ele “sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”.
Durante a operação da Polícia Federal, foram apreendidos US$ 14 mil em espécie na casa de Bolsonaro, além de um celular e um pen drive encontrado no banheiro. As investigações apontam que o ex-presidente teria estimulado nações estrangeiras a interferirem nos assuntos internos do país, o que, para Moraes, representa uma ameaça à soberania nacional.