Advogada denuncia estrutura machista que dificulta proteção às mulheres
Renata Deiró afirma que a vulnerabilidade aumenta entre mulheres negras e pobres
Por: Marcos Flávio Nascimento
12/12/2025 • 18:30
A persistência de comportamentos machistas nas relações heterossexuais ainda molda a forma como mulheres são tratadas no cotidiano. A advogada Renata Deiró, especialista em Direito de Família e em casos de violência doméstica, explicou, nesta sexta-feira (12), que essa dinâmica começa na infância, quando meninos e meninas aprendem papéis rígidos que reforçam desigualdades.
Segundo ela, “as relações são formadas com base em expectativas completamente diferentes, e quando a mulher passa a se reconhecer como feminista, isso costuma gerar atrito, porque o homem foi socializado para ocupar um lugar de poder”.
Ao tratar das rupturas afetivas, a advogada destacou que a cobrança recai quase sempre sobre a mulher. O julgamento social, observa, questiona as decisões femininas e coloca sobre elas a responsabilidade pelo fim do relacionamento, enquanto muitos homens utilizam estratégias emocionais para adiar ou evitar a separação.
Em sua análise, Renata ressaltou que “o roteiro se repete em praticamente todas as classes sociais, porque a cobrança moral é sempre colocada sobre a mulher, como se ela tivesse fracassado ao decidir se divorciar”.
Violência atinge todas, mas é maior para mulheres negras
A discussão sobre desigualdades se aprofunda quando Renata aborda o cenário das agressões. No artigo Democracia macabra, a advogada afirma que toda mulher pode sofrer violência doméstica, independentemente de renda ou escolaridade. A diferença, diz ela, está no risco ampliado enfrentado por mulheres negras e pobres, especialmente nas periferias, onde o acesso à segurança pública é limitado.
"Há comunidades em que a mulher não pode chamar a polícia por medo de sofrer retaliação do tráfico local, e isso mostra como o Estado falha de forma profunda ao não garantir o mínimo de proteção”, contou.
Em outro ponto, a advogada reforçou que essa vulnerabilidade estrutural se agrava diante da ausência de políticas eficientes e da dependência econômica, que impede muitas mulheres de deixar ambientes violentos. O problema não está apenas na agressão em si, mas na impossibilidade de romper com o ciclo.
"O risco dobra quando a mulher é negra e mora em territórios onde o Estado não entra com segurança, porque aí a violência doméstica se mistura com outras formas de violência”, considerou.
Denunciar é essencial, diz especialista
Ao tratar da importância da denúncia, Renata enfatizou que o enfrentamento à violência depende da chegada dos casos às autoridades. Ela aponta que agressores raramente deixam de praticar abusos espontaneamente, pois tendem apenas a recuar quando percebem risco de punição.
Nas palavras da advogada, “a denúncia é o primeiro freio real para interromper ciclos de agressão, porque medidas protetivas funcionam e salvam vidas quando chegam a tempo”.
Mesmo reforçando a relevância das medidas protetivas, Renata destaca que a palavra da vítima tem peso especial nas decisões urgentes, embora a condenação criminal exija provas formais. Essa distinção jurídica, segundo ela, é frequentemente usada para desacreditar mulheres que buscam ajuda.
Ela apontou que “o que muitos chamam de denúncia falsa, na prática, é a ausência de provas produzidas pelo Estado, não uma mentira da vítima”.
Outro tema abordado é a crença de que denúncias falsas seriam frequentes. Renata afirmou que essa narrativa não encontra respaldo na realidade e atrapalha o desenvolvimento de políticas públicas. De acordo com a advogada, “esses casos são a exceção da exceção e jamais podem orientar o debate, até porque mulheres que mentem são responsabilizadas, enquanto homens condenados por feminicídio acabam reinseridos socialmente com facilidade”.
No encerramento, Renata lembrou que o ônus da prova não recai sobre a vítima no Direito Penal. A função de investigar e comprovar os fatos pertence ao Estado por meio do Ministério Público e das forças policiais. Se a absolvição ocorrer apenas por falta de provas, ela reforça, isso deve ser entendido como falha institucional, não como mentira da mulher.
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